Por Rev. Valdeci Santos
Depressão é um assunto controverso entre cristãos. Existe discordância quanto à natureza, às causas e aos tratamentos apropriados para esse mal. Mas, enquanto alguns debatem essas questões, outros sofrem intensamente lutando contra a depressão, inclusive pastores. De fato, esse é um assunto para o qual a igreja não pode fechar os olhos.
A depressão é uma das dores mais difíceis de suportar, pois sua própria natureza (a perda da esperança) milita contra a expectativa de recuperação. Em sua obra sobre o assunto, Ed Welch define depressão como “um sofrimento que não pode ser reduzido a uma causa universal”. Assim, muito mais do que uma frustração ou desequilíbrio químico, a depressão é a intensa dor que nem mesmo o deprimido consegue explicar. Não se pode reduzir isso ao aspecto emocional, pois as emoções do deprimido estão em pleno funcionamento, em uma dinâmica tão intensa que não podem ser explicadas. Além do mais, o problema do deprimido não é falta de sensibilidade espiritual, pois as perguntas que ele faz, em sua maioria, possuem cunho espiritual e religioso: Por que Deus permitiu isso comigo? Até quando, Senhor? Por que estou aqui? Qual é a causa desse sofrimento? Dessa maneira, muito mais do que um sermão, uma confrontação ou o uso de um versículo bíblico como “vara-de-condão”, o processo de ajuda ao deprimido exige sensibilidade, generosidade, paciência e amor.
Todavia, o propósito dessa reflexão não contempla uma discussão geral sobre a depressão, mas a consideração do que ocorre quando um pastor luta contra esse mal. De acordo com um estudo realizado pela Duke Divinity School em 2008 (e publicado em 2013), pastores possuem 1,6 a mais de probabilidade de experimentar depressão do que a população em geral (8,7% versus 5,5%). Alguns estudiosos procuram explicações para esse fenômeno no fato de que diariamente os pastores se encarregam de atividades estressantes. Entretanto, a máxima de Welch deveria ser lembrada nesses casos também: não se pode identificar uma única causa para esse mal. Há pastores sofrendo na luta contra depressão e muitos membros de suas igrejas não fazem a mínima ideia disso. Alguns somente tomam conhecimento dessa realidade após evidências dramáticas desse mal: crises familiares, debilidades físicas, resignações no ministério e até casos de suicídio.
Como compreender o que ocorre quando um pastor luta contra depressão? O que se passa em sua mente e no íntimo de seu coração? O que poderia ser dito a ele nesses momentos? Como poderíamos começar a ajudar? De início, listo cinco observações a seguir que podem auxiliar nesse processo
de compreensão e ajuda. Assim, tanto os que enfrentam a depressão quanto os que desejam ajudar pastores nessa luta poderão ter uma noção melhor do que ocorre nesses casos. Conquanto essas propostas não esgotem o assunto, elas indicam um caminho a ser trilhado nesses casos.
- A dor do pastor é ampliada pelo mito de que pastor não fica deprimido
Para um pastor, confessar sua depressão equivale a admitir sua desqualificação para o ministério. Isso porque muitos cristãos insistem na ideia de que depressão é um mal que atinge apenas “outras pessoas” que não o pastor. Aqueles que pregam as boas-novas de alegria e paz nunca podem se sentir tristes e abatidos nem dominados pela ansiedade característica da depressão. Além do mais, algumas pessoas pensam que os servos de Deus vivem em perfeito equilíbrio e perfeita ordem o tempo todo. Nesse sentido, como eles poderiam experimentar a “noite escura da alma”? Como poderiam ser tomados pelo desespero se pregam a esperança? Todo esse questionamento revela o mito popular de que o pastor não fica deprimido.
Todavia, a própria história do cristianismo revela que grandes homens de Deus que serviram no pastorado lutaram intensamente contra a angústia da depressão. Nessa lista estão incluídos Bernardo de Claraval, Martinho Lutero e Charles H. Spurgeon. Esse último, em um de seus sermões confessou aos ouvintes: “sou alvo de depressões de espírito tão assustadoras que espero que nenhum de vocês jamais tenha que passar por tais extremos de desgraça”. Portanto, ainda que o mito persista, não corresponde à realidade.
- A aflição do pastor é agravada pela dor que ele causa em seus familiares e pessoas próximas.
O ministério pastoral implica cuidar de outros, mas quando o pastor não consegue cuidar nem de si mesmo, ele se sente fracassado por causar dor e tristeza naqueles que estão mais próximos, principalmente seus familiares. Na luta contra a depressão, a dor do pastor é agravada pelo fato de ele ver o sofrimento estampado nos olhos de quem ama e não conseguir fazer nada para mudar sua própria condição, causa da dor alheia. Notar a esposa triste pela casa, os filhos sem saber como se aproximarem do pai e a igreja sem compreender como cuidar do seu pastor nesses momentos é uma experiência dolorosa.
Para o ministro do Evangelho, necessitar receber cuidado intenso por quem deveria ser cuidado por ele pode ser excruciante. Além do mais, como se encontrar desorientado quando se sente responsável por orientar outros? Ao final de tudo, o pastor nem conseguirá dizer qual é a fonte de sua maior angústia e sofrimento: se algo interno ou externo, se algo existencial ou relacional? Enfim, isso se torna motivo de maior angústia e confusão.
- O sofrimento do pastor é intensificado pela culpa que o esmaga
Pastores geralmente se sentem fracassados e culpados quando são tomados pela depressão. Muitos deles partilham da convicção popularizada por Martyn Lloyd-Jones de que “De certa forma, um cristão deprimido é uma contradição de termos, e é uma péssima recomendação do evangelho”. Essa crença pode levar o pastor a questionar sua própria conversão e fé. Além do mais, ele se culpa por seus sentimentos e ações não corresponderem ao seu conhecimento da verdade. Em sua opinião, e certamente na opinião de muitos, ele deveria saber lidar com toda essa confusão que o assola. Mas o conhecimento teórico parece muito distante da ação efetiva nessas horas.
Nos momentos de depressão, a mente do pastor pode ainda ser tomada por uma avalanche de lembranças de quando ele negligenciou sua família em prol do rebanho, ocasiões em que ele não teve o tempo necessário para resolver as crises ou atentar para as necessidades familiares. A dor se mistura com culpa e a culpa gera mais dor ainda! Desolado, o pastor deprimido tende a fazer penitências com o objetivo de se livrar de tamanho fardo. A complexidade, porém, está no fato de que o componente da culpa nesse caso pode ser irreal, pois Deus não culpa uma pessoa por cair em depressão ou abatimento em si. Há, certamente, casos nos quais o abatimento resulta de pecados, mas nem sempre (cf. Sl 31, 32 e 38). Embora não se possa emitir diagnóstico de depressão aos personagens bíblicos, em seu abatimento eles foram ouvidos e não condenados pelo Senhor (cf. Sl 42 e Sl 88).
- O suplício do pastor acaba tendo que ser processado por ele mesmo
Tomado pela vergonha e medo, o pastor em luta contra a depressão geralmente se isola e se afasta das pessoas ao redor. A resposta mais comum nesses casos é o silêncio e a reclusão. As programações da igreja se tornam cansativas e encontrar os amigos acaba sendo arriscado, pois em qualquer momento ele pode “perder o controle” e revelar o verdadeiro estado do seu coração. Até as conversas em família parecem ameaçar, pois na tentativa de auxiliar, as pessoas próximas acabam apresentando uma série de perguntas que incomodam: por que você está se sentindo assim? Por que não ora e busca a Deus para te livrar disso? Até quando você acha que isso durará? etc. Ainda que bem-intencionadas, perguntas como essas indicam que o inquiridor realmente não compreende o que está acontecendo. Pior ainda, para um abatido, interrogações diretas podem ferir como espadas pontiagudas.
Em sua solidão, o pastor erroneamente prega para si mesmo: “médico, cura-te a ti mesmo”. Nesse ponto, a esperança de auxílio de um conselheiro, amigo e ajudador, se esvai. Ele sempre pareceu dar atenção às pessoas, mas, agora que sua alma realmente necessita de atenção, não sabe para quem correr.
Nem percebe o pastor deprimido que, em sua angústia, acabou se afastando das pessoas, inclusive daqueles que poderiam lhe prestar alguma assistência. Ele imagina que terá que processar sua própria dor em quietude.
- O tormento do pastor precisa ser processado à luz das Escrituras
Em meio ao emaranhado de fatores complicadores, durante sua luta contra a depressão, o pastor corre o risco de se esquecer do poder vivificador das Escrituras. Essa lição foi claramente ensinada pelo salmista que orou: “O que me consola na minha angústia é isto: que a tua palavra me vivifica” (Sl 119.50). Em sua Palavra, o Senhor Deus concede recursos para que nossa depressão seja processada. Menciono aqui apenas três desses elementos de ajuda.
Em primeiro lugar, é bom trazer à memória que, em sua angústia, você nunca está só. O Deus Emanuel nunca abandona os seus servos. É importante lembrar que a invisibilidade de Deus não é sinônimo de indiferença e que sua demora em atender não significa que Ele não se importa! Ao contrário, Ele nos cerca com o seu cuidado providencial carregando-nos durante os momentos mais aflitos de nossa vida (cf. Is 43.2-3).
Outra verdade a ser lembrada é que nós não somos nossos próprios salvadores. Ou seja, não somos os responsáveis por nos trazer alívio, Cristo é. Somente o Redentor é poderoso e capaz de livrar a alma da morte, pois Aquele que venceu a morte também graciosamente concede vida. Nesse sentido, deixar de esperar em nós mesmos e em nossos próprios esforços e lançar toda a confiança em Deus é a atitude mais sábia nesses momentos. Essa lição foi claramente deixada pelo apóstolo Paulo em 2Coríntios 1.8-10.
Em terceiro lugar, é necessário lembrar que até nossas lágrimas não são desperdiçadas por Deus (cf. Sl 56.8). Em outras palavras, Deus não apenas não desiste do aflito como é poderoso para usar até sua aflição para sua edificação espiritual (como aconteceu com Jó) e para impactar outros ao redor (como no caso de Estêvão e Paulo). Por isso, é importante que o pastor deprimido faça uma distinção entre seus sentimentos e os fatos afirmados pela Palavra de Deus. As promessas de Deus são verdadeiras, enquanto os sentimentos são projeções da dor alojada no coração.
A depressão entre pastores não é uma impossibilidade. A ordenação pastoral não é um manto sagrado a proteger os servos de Deus dos sofrimentos e aflições nesse mundo. Ademais, o selo do Espírito no coração do crente não o torna imune às dores comuns nessa vida terrena. O que o servo de Deus, comprometido em lutar contra o abatimento e depressão de alma, pode fazer é pregar para si mesmo aquilo que constantemente prega para outras pessoas e dizer assim como o salmista: “Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu” (Sl 42.5). Dessa forma, que a graça do Altíssimo repouse sobre os seus benditos pastores!