Por Gabriel Torres.
RESENHA. HOEKEMA, Anthony Andrew, Criados à imagem de Deus. São Paulo. ed. Cultura Cristã. 2018, 288p.
Hoekema nasceu na Holanda, mas emigrou para os Estados Unidos em 1923. Ele participou de Calvin College (AB), a Universidade de Michigan (MA), Calvin Theological Seminary (Th.B.) e Seminário Teológico de Princeton (Th.D., 1953). Após pastorear várias igrejas reformadas cristãs (1944-1956) tornou-se Professor Associado da Bíblia no Calvin College (1956-1958). De 1958 a 1979, quando se aposentou, ele foi professor de Teologia Sistemática no Calvin Theological Seminary, em Grand Rapids, Michigan. Professor Hoekema passou dois anos sabáticos em Cambridge, Inglaterra (1965-1966, 1973-1974).1
PERSPECTIVA TEÓRICA E METOLÓGICA DA OBRA
Hoekema, como um teólogo conservador, evoca a bíblia como fonte de autoridade e fé para o ensino sobre a antropologia bíblica nos moldes da doutrina reformada, trabalha uma abordagem exegética e sistemática dos textos bíblicos e seu esforço em defender a ortodoxia reformada é notório pelo uso de embasamento teórico em referenciais teológicos reformados. Haja vista, o contexto no qual esse teólogo viveu não é de se admirar que ele traz à baila diálogos conceituais com colegas de ortodoxia que por vezes tem uma visão diferente de sua concepção. Como teólogo conservador, expressa sua fidelidade bíblica em uma época crescente das filosofias nascidas no berço humanista. Sua contribuição bíblica, exegética e teológica reitera uma defesa profunda contra o existencialismo que desacredita as esperanças humanas, o marxismo que tem por fundamento ideológico o materialismo dialético e como essas Ideologias, de forma idólatra, perdem a unicidade da verdadeira noção do ser, como Hoekema diz: Visto que cada uma das ideias sobre o ser humano acima mencionadas considera um aspecto do ser humano como definitivo, isento de qualquer dependência ou responsabilidade perante Deus, o Criador, cada uma dessas antropologias é culpada de idolatria. Cristo é o fundamento redentivo dessa obra que procura dialogar com as várias concepções teológicas e filosóficas não ortodoxas. Em sua obra o autor costuma usar o seguinte método: apresenta o texto bíblico, analisa, traz as confluências e disjuntivas teóricas, sistematiza as conclusões e aplica a verdade à vida da igreja.
BREVE SÍNTESE DA OBRA
Dividido em 12 capítulos o livro trabalha a doutrina da imagem de Deus, e suas implicações antes e pós queda. No Capitulo I, Hoekema introduz sua obra problematizando seu tema, ele faz menção dos diversos movimentos que descaracterizam o conceito bíblico evangélico de imagem de Deus, nessa perspectiva a filosofia moderna, a política e a sociologia conduzem seus esforços por esfacelar as características do homem como imagem de Deus. Já no capítulo II, é apresentado ao leitor o paradigma do homem como pessoa criada, e as relações entre responder a um criador e ser um ser com autonomia. No capítulo III, o distinto teólogo apresenta uma análise bíblica, no Velho e no Novo Testamento, sobre a criação do homem a imagem de Deus, a partir dessa análise Hoekema conclui que a imagem de Deus no homem é um estado permanente, mas que por causa do pecado está distorcida e necessita ser restaurada pela obra regeneradora do Espirito Santo, evento inaugural para que o homem se conforme a Cristo, que é a perfeita imagem de Deus. Por sua vez, no capítulo IV, ele traça um panorama histórico da matéria de antropologia bíblica, ele começa com os pais da igreja; Irineu fazia distinção entre imagem e semelhança e apontava que o homem tinha perdido a semelhança, porém, ainda tinha a imagem de Deus; passa pelos reformadores, ele cita Calvino, que defendia a permanência da imagem de Deus depois da queda, porém, ensinava que ela foi distorcida e necessitada da salvação em Cristo para ser restaurada; até chegar nas opiniões de seus contemporâneos na matéria, como Karl Barth, que entende, erroneamente, segundo Hoekema, que a imagem de Deus é uma relação de confronto entre o homem e Deus. No capítulo V é apresentado um resumo teológico acerca da doutrina da imagem de Deus, Hoekema define que a imagem de Deus pode ser definida entre a estrutura e a atividade do homem, em outras palavras com o que o homem foi criado (estrutura) e como essa criação é revelada (atividade), quais seus dons como criatura (estrutura) que habilitam o homem a aplica-los no mundo (atividade). Em conclusão Hoekema ressalta o amor a Deus e ao próximo como a principal característica da imagem de Deus no homem. O referido autor aborda o capítulo VI, denominado de A QUESTÃO DA AUTOIMAGEM, desenvolvendo a ideia de autoimagem, mesmo que ela não seja uma questão bíblica em si, é possível argumentar que, a maneira como Adão olhava para si antes da queda dizia respeito ao modo como ele se relacionava com Deus, logo toda perversão de como o homem olhava para si mesmo como culpa ou orgulho não existia, Hoekema entende isso como importante e revela que a perversão do pecado pode ser restaurada em Cristo e aplica essa ideia na pratica, principalmente com relação aos conselheiros bíblicos. Hoekema, no capítulo VII aborda a questão da origem do pecado, principalmente argumentando sobre o valor histórico da existência de Adão para a soteriologia, Hoekema diz que Adão necessita (contra o consenso do liberalismo teológico) ser uma figura histórica para dar validade a Queda e, por consequência, a salvação em Cristo. Já no capítulo VIII ele trabalha a ideia de transmissão do pecado, em face as teorias liberais defendendo a ortodoxia, nesse assunto com o conceito teológico de realismo e imputação imediata do pecado são relegadas como bíblicas e interlineares na teologia reformada. O capítulo IX apresenta uma definição da natureza do pecado, de que ele é a ausência do bem, porém Hoekema apresenta com ressalvas, e aborda sua extensão mostrando que o pecado permeia toda a identidade do homem (volições, sentimento e pensamentos) e destaca o efeito do pecado quanto a sua extensão, porém, não total quanto a sua profundidade. No capítulo X Sobre o título de O REFREAMENTO DO PECADO Hoekema trata da doutrina da graça comum ensinando que a despeito da tão perversa inclinação do ser humano para o mal o mundo resiste em pé diante da possibilidade de autoeclosão por causa do refreamento do pecado do homem por meio da força ativa de Deus nos não eleitos. Para o capítulo XI o professor problematiza os conceitos de tricotomia e dicotomia e argumenta em direção a indivisibilidade do ser humano, mostrando que os aparentes textos bíblicos que parecem apontar para uma divisão, são termos que destacam a totalidade de quem é o homem e não o separa em termos do ser, o que Hoekema chama de unidade psicossomática. Por fim, a abordagem do capítulo XII trabalha a ideia da liberdade, ele a define em primeira instância como “a capacidade que as pessoas têm de fazer escolhas entre alternativas”2 dessa forma ele insta essa definição como uma parte essencial do homem; em uma segunda instância o autor aplica a definição de liberdade como “a capacidade de fazer o que é agradável a Deus”3, ele conclui que o homem não perdeu a liberdade na queda, mas sim a verdadeira liberdade, a de escolher fazer a vontade de Deus. Somente em Cristo é possível receber essa verdadeira liberdade.
REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE OBRA E IMPLICAÇÕES PARA O MINISTÉRIO.
Hoekema traz uma resposta bíblica em face das várias tentativas sociais, acadêmicas e políticas de responder o que é o homem. Hoekema é um homem à frente do seu tempo, pois, responde biblicamente contra questões que hoje estão à vista no cenário cultural, mas, que em seu tempo estavam nascendo. Ainda que sua obra tenha sido traduzida a mais de 20 anos em língua portuguesa é ainda relevante para a academia, o modo como ele, ao apresentar o texto bíblico, faz uma análise exegética, traz confluências e disjuntivas teóricas, sistematiza suas conclusões e aplica-as a vida da igreja sendo completo, dinâmico, profundo e prático em sua abordagem.
No capitulo VIII ao expor o conceito teológico de realismo e imputação imediata do pecado (federalismo) são relegadas como bíblicas e interlineares na teologia reformada, é perceptível que ainda que Hoekema aceite a doutrina do realismo como escriturística com relação ao modo como ela explica a transmissão do pecado de Adão aos outros seres humanos, vale salientar que ele entende que, ela necessita de um intercambio doutrinário com o a doutrina da imputação imediata no sentido de que ela traz uma ênfase em Adão como agente responsável pela queda, ele diz “Não são, porém, suficientes [as implicações da doutrina do realismo]; necessitam ser complementados por uma concepção que faz mais justiça ao caráter representativo da primazia de Adão do que a realista faz”[4], ao propor esse intercâmbio doutrinário o notável professor conduz suas conclusões nos seguintes termos:
Como uma consequência e, portanto, um efeito de nosso envolvimento na culpa de Adão, todas as pessoas humanas nascem em um estado de corrupção. Esta corrupção (também chamada concupiscência ou depravação) é transmitida a nós por nossos pais. Nosso envolvimento e nossa identificação com o pecado de Adão trazem consigo a iniquidade sem a qual o pecado não existe. Nascemos em estado de corrupção porque estamos em comunhão com Adão em seu pecado. Não entendemos como essa corrupção pode ser transmitida dos pais aos filhos; as leis da hereditariedade humana não podem oferecer qualquer explicação para esse processo. Mas a Escritura e a experiência igualmente nos dizem que a contaminação do pecado passa realmente dos pais aos seus filhos.[5]
O notável professor deixa claro que entende que existe uma transmissão do pecado de forma natural e que nesse sentido seu pensamento é realista, porém, ele também entende que a escritura não define exatamente como isso acontece.
Com um posicionamento contrário ao de Hoekema o Rev. Doutor Heber Carlos de Campos6 aborda as teorias traducionista e criacionista e conclui que “Deve admitir-se que os argumentos de ambas as partes, estão equilibrados.”7, porém, pondera que entre as duas abordagens ele prefere a teoria criacionista listando os seguintes argumentos:
Alguma forma de criacionismo merece preferência pelas seguintes razões:
(a) Não encontra dificuldade filosófica insuperável com a qual o traducianismo sofre;
(b) Evita os erros cristológicos que envolvem o traducianismo;
(c) Está mais em harmonia com a nossa ideia de pacto.
Ao mesmo tempo, estamos convencidos de que a atividade criadora de Deus, ao formar as almas humanas, deve ser concebida como muita estreitamente ligada ao processo natural de geração dos indivíduos.
O criacionismo não evita todas as dificuldades, mas é uma garantia contra os seguintes erros: (a) que a alma é divisível; (b) que todos os homens são meramente a mesma substância; (c) que Cristo tomou aquela mesma natureza numérica que caiu em Adão.8
Certamente essa obra pastoreia o coração sem perder a profundidade, ajuda a verdadeira piedade pelo encontro com o conhecimento profundo da escritura. Hoekema mostra que invariavelmente os seres humanos têm uma relação tríplice no mundo, a saber; com Deus, com seu próximo e com a natureza, o aspecto redentivo dessa definição de imagem de Deus nos leva a caminhar em direção a Cristo, lembramos que nossos relacionamentos somente tem significado quando estamos em Cristo, e que passaremos a cuidar da criação/mundo de forma a restaurá-la quando lembrarmos a quem ela pertence. Hoekema a despeito de ser bíblico ou sistemático ele é cristocêntrico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
HOEKEMA, Anthony Andrew, Criados à imagem de Deus. São Paulo. ed. Cultura Cristã. 2018.
CAMPOS, Heber Carlos de. Apostila de Antropologia Bíblica.
[1] Sobre o autor. Retirado do site: https://livrosnarede.com/autor-anthony-a-hoekema.html
[2] HOEKEMA, ANTHONY ANDREW, Criados à imagem de Deus. São Paulo. ed. Cultura Cristã. 2018, 250p.
[3] HOEKEMA, ANTHONY ANDREW, Criados à imagem de Deus. São Paulo. ed. Cultura Cristã. 2018, 253p.
[4] HOEKEMA, ANTHONY ANDREW, Criados à imagem de Deus. São Paulo. ed. Cultura Cristã. 2018, 179p.
[5] HOEKEMA, ANTHONY ANDREW, Criados à imagem de Deus. São Paulo. ed. Cultura Cristã. 2018, 180p.
[6] Em sua apostila da matéria de antropologia disponibilizada ao Rev. Me. Nelson Junior para as ministrações das aulas de Teologia sistemática no Instituto Bíblico Rev. Augusto Araújo.
[7] CAMPOS, Heber Carlos de. Apostila de Antropologia Bíblica. 39p.
[8] CAMPOS, Heber Carlos de. Apostila de Antropologia Bíblica. 39p.
Autor: Gabriel é aluno do Instituto Bíblico Rev. Augusto Araújo e está cursando o último ano do Curso Médio em Teologia.