Uma nova realidade? Como a IA muda a percepção de futuro e como isto foi possível — Parte 1

Por Presb. Thiago Serra.

Deep Fake, OpenAi, ChatGPT, Co-pilot, Stable Diffusion, Midjourney, Synthesia Ai, Resemble…

Com certeza nos últimos meses você viu proliferar na sua timeline discussões sobre algum desses sites ou serviços. Aqueles famosos headlines: “O fim do Google?” ou “O fim dos programadores” — ou qualquer outra profissão que esses serviços oferecem — ou ainda “Ganhe R$ xxx por hora com o ChatGPT”!

Meu objetivo neste primeiro artigo é apresentar uma análise sobre a evolução tecnológica que tornou tudo isso possível, trazendo em linguagem simples, não muito técnica, alguns pontos que permitiram que hoje a Inteligência Artificial e suas aplicações ‘pipoquem’ a cada dia.

Proponho aqui uma série de artigos: o primeiro, este, fala da evolução em alguns pontos que permitiu termos hoje tantas aplicações se popularizando no uso da IA. Num segundo artigo falo um pouco da matemática que torna isso possível. O terceiro artigo falarei das aplicações propriamente ditas, iniciando a discussão sobre essa nova realidade, algumas discussões éticas envolvidas e, claro, uma pitada de teologia.

A evolução

Com certeza você já ouviu falar que vivemos a era da informação. Nem era precisa não é verdade? Existe uma estimativa de que 4,5 bilhões de pessoas usam algum tipo de mídia social todos os dias [1][2]. São mais de 500 milhões de postagens por dia no Instagram, 100 bilhões (isto mesmo, Bi) de mensagens por dia no Whatsapp com seus 2 bilhões de usuários [3]. São enviadas cerca de 500 horas de vídeos para o Youtube a cada minuto, e são visualizados na plataforma a cada dia 1 bilhão de horas de vídeo, por usuários em mais de 100 países [4]. A quantidade de informação gerada a cada dia é impensável. É humanamente impossível acompanhar “tudo” de um assunto qualquer que se escolha estudar ou saber hoje em dia.

Armazenamento: a tal da nuvem.

Prazer. “eu sou o disco de 5 1/4”.

Para que isso fosse possível, algumas coisas colaboraram bastante. Em primeiro lugar, obviamente, a infraestrutura de armazenamento de informação que você conhece popularmente como nuvem, se tornou popular e acessível. Para quem é antigo como eu — e que ainda viu um disquete de 5 1/4 de polegada armazenar 1.2 MB (isto, mega e não giga, ou tera como hoje!) e achava o máximo as técnicas de compressão para tentar por mais coisas ali — é uma baita evolução ver os microSD de 1, 2 terabytes sendo vendidos!

E a nuvem trouxe mais: a teórica capacidade “sem limite” de armazenamento. Se você tem uma conta gratuita no Gmail do Google, “ganhou” um espaço no ecossistema deles de 15 Gigabytes. Agora, faça as contas: o Gmail possui cerca de 1,5 bilhões de usuários ativos que gozam deste espaço disponível. Quantos “gigas” são necessários se todo mundo decidir lotar a conta no Google?

Exatamente! São 22.500.000.000 de gigabytes ou 22.500 petabytes. Sim, não dá pra ter isso em casa num microSD (seriam na verdade 22,5 milhões de microSD de 1 terabyte, difícil de guardar em casa né?). Essa é a evolução: um armazenamento distribuído em diversas salas especiais ao redor do mundo, que possuem máquinas com centenas de discos de alta capacidade, e que utilizam tecnologia de compressão de dados, permitindo por exemplo que o Google possa atender os usuários do Gmail no mundo inteiro. Ou a Meta — dona do FacebookWhatsapp e Instragram — possa manter o Instragram ativo para você postar a foto do seu hamburgão… ou, permtir que você consiga mandar aquela mensagem importante para o seu chefe pelo Whatsapp pedindo pra folgar no feriado.

A nuvem permitiu algo inimaginável antes: armazenamento e recuperação de grandes massas de dados, acessível em qualquer lugar do mundo.

A evolução das tecnologias de transmissão

A rede que liga o mundo! Os cabos que atravessam oceanos e permitem com que você interaja com o mundo.

Mas, não se trata apenas do lugar não é verdade? é necessário uma rede de dados que interligue as pessoas e os serviços. E estamos falando dela mesmo: a internet. Para você que está lendo aqui e quer saber a história da internet, existem boas fontes [5][6][7]. Meu objetivo é mais macro aqui.

Você sabe que o tempo de espera por um conteúdo — seja texto, som, vídeo ou uma foto — veio exponencialmente sendo reduzido. Dos tempos da conexão discada, onde você esperava vários minutos e até horas para conseguir uma conexão, e esperava minutos para ver uma página abrindo no seu navegador ou, a lista de tópicos ser baixada no seu BBS[8], passamos à fibra óptica que chega dentro das nossas casas hoje. Essa busca pela capacidade de transmitir alta quantidade de dados em menos tempo foi grande. A rede construída e que vinha sendo mantida e melhorada por grande empresas e consórcios possibilitou e, a cada ano fomentava o aparecimento de serviços e a criação e disponibilização de conteúdo.

Deixamos de medir as conexões em bytes o kilobytes e passamos a falar de conexões em Gigabytes por segundo. Quando você está em casa usando uma conexão de alta velocidade, ou no celular usando uma rede 5G, talvez não perceba que dezenas de megabytes de conteúdo estão sendo entregues em segundos na sua tela quando assiste a um vídeo, ouve suas músicas preferidas, ou fica rolando o feed do Instagram por exemplo.

Os cabos submarinos que interligam os continentes onde esses servidores são mantidos, permitem que a informação viaje a taxa de Gigabytes por segundo de um ponto a outro do mundo. E, o limite é muito maior!!! Talvez você não saiba, mas a fibra óptica tem esse nome porque o processo pelo qual o dado é transmitido através dela é através da luz. “O cabo da fibra óptica é composto de um filamento de vidro, envolvido por um material de ondas eletromagnéticas, a luz viaja pelos fios de vidro de forma contínua carregando informações. O cabo é revestido por um material que protege a estrutura interna, que não sofre interferência de outras redes eletromagnéticas, de modo que a informação permanece intacta.” [9] Isso permite com que a informação viaje a velocidade da luz! Incrível não?

National Institute of Information and Communications Technology (NICT) no Japão vive estabelecendo recordes de transmissão de dados através da fibra. O último que tenho notícias foi o de transmitir 12,75 petabytes por segundo (ou 12.750 terabytes por segundo)!!! [9] Ou seja, a tecnologia que temos acesso hoje, ainda tem muito espaço para crescer se utilizando da mesma estrutura fibra existente, havendo a evolução dos equipamentos de transmissão, permitindo que acessamos cada vez mais informação com maior rapidez.

Essas grandes vias por onde o dado trafega é que permitiram que essas grandes estruturas de armazenamento (nuvem) fosse usadas para armazenar e disponibilizar tanta informação.

Os cérebros digitais: a evolução dos processadores

O primeiro transistor, não tão pequenino ainda, mas que iria transformar o mundo!

Em 1947 um pequenino invento iria transformar o mundo: o transistor. Este tudo bem se você não conhecer apesar de usar bilhões deles todos os dias. A função dessa pequena peça eletrônica é simplesmente de amplificar a corrente elétrica que passa por ele. Bom, pelo menos essa era a ideia. Com a lógica utilizada nos computadores tendo evoluído para uma lógica digital, apenas dois estados eram necessários: os famosos “zero” e “um”, ou seja, o transistor só precisava então deixar passar corrente elétrica ou não deixar, assim como fazemos quando ligamos e desligamos o interruptor da lâmpada.

Na prática, ligar vários transistor em série permite compor os chamados circuitos integrados que foram inicialmente usados para amplificar ondas de rádio em equipamentos menores (aqueles famosos “radinhos de orelha” os quais se viam muito com os torcedores nos estádios de futebol antigamente, que acompanhavam as narrações da partida no rádio). [10]

A evolução desses circuitos e da tecnologia por trás dos transistor permitiu a criação de circuitos cada vezes menores, chamados então de microprocessadores. Dotados de uma capacidade de processar várias operações matemáticas em segundos e programáveis, eles mudaram a forma de trabalho com o passar dos anos. Muita coisa deixou de ser feita no papel, com o auxílio de uma calculadora em semanas de trabalho, e passou a ser feita em segundos por uma máquina. A lógica por trás do microprocessador em receber uma entrada de dados — cálculos complexos, análise de grandes quantidades de dados, sumarizar grandes volumes de dados, etc. — e ser programado para executar um processamento e dar uma saída, permanece a mesma hoje.

O que mudou foi a capacidade de miniaturização dos transistor — de milímetros para milésimos de milímetros — consequentemente, de milhares de transistor em um circuito (a INTEL em 1974 apresentou um circuito com 64 mil transistor) para bilhões (67 bilhões de transistor no processador M2 Max da Apple lançado em janeiro de 2023). Logicamente, isso levou o mundo a uma revolução em pouco mais de 50 anos.

O trio virtuoso

Armazenamento, processamento e transmissão. Nada que vemos hoje em termos de tecnologia seria possível sem os avanços vertiginosos nesses três pontos.

Vivemos os dias em que o saber se multiplicou intensamente e trouxe consigo um busca pela eficiência em vários sentidos: custos, energia, recursos… Aquilo que está disposição dos homens na natureza se prova limitado e, obviamente precisamos mais que nunca pensar em soluções tecnológicas que permitam que os recursos sejam usados com mais sabedoria.

Processos são melhorados continuamente na busca por reduzir custos, economizar recursos e prover melhores soluções em relação as que temos hoje em vários áreas do conhecimento. A computação, engenharia e suas subáreas evoluem nessa direção. Existe, claro, um capitalismo ferrenho e insensível por traz de todas essas evoluções assim como uma guerra de patentes no mundo todo pelas melhores saídas que irão gerar mais lucro. Ainda, por exemplo, uma luta de grandes companhias pelo protagonismo no mundo da nuvem, um negócio de US$ 217 bilhões anuais [11]. Não se engane.

Contudo, existe proveito na evolução tecnológica, sem dúvida.

As soluções que estão no primeiro parágrafo deste texto surgem num contexto onde as condições permitiram que boa parte da teoria computacional e matemática que existe há pelo menos 60 anos, pudesse enfim ser aplicada. Onde os dados estão massivamente disponíveis, onde a infraestrutura de conexão permite acesso a estruturas de armazenamento e a capacidade de processamento em nuvem impensável a 60 anos atrás.

Muitas dessas soluções gozam de um habitat ideal num mundo digital, criado com muita matemática e silício nas últimas décadas. Hoje fascinam a milhões que não percebem o quanto se andou nesse tempo todo para se chegar até aqui. Meu objetivo é mostrar que essa caminha foi longa e que o temos visto “pipocar” nas manchetes são os primeiros frutos “sob o ombro de gigantes”, um trabalho de décadas, possibilitado hoje por uma evolução tecnológica sem precedentes.

Próximo…

Como isso é possível? Como a IA é possível? Quais as implicações e consequências? Existe uma questão ética ai? E a teologia? Se encaixa onde?

Acompanhe os próximos artigos!

Artigo originalmente publicado no Blog do autor. Uma nova realidade? Como a IA muda a percepção de futuro e como isto foi possível — Parte 1 | by Thiago Carvalho | Jan, 2023 | Medium

Referências citadas

[1] https://www.statista.com/statistics/278414/number-of-worldwide-social-network-users/#:~:text=In%202021%2C%20over%204.26%20billion,almost%20six%20billion%20in%202027

[2] https://www.oberlo.com/blog/social-media-marketing-statistics

[3] https://techcrunch.com/2020/10/29/whatsapp-is-now-delivering-roughly-100-billion-messages-a-day/

[4] https://www.oberlo.com/blog/youtube-statistics#:~:text=500%20Hours%20of%20Video%20Uploaded%20to%20YouTube%20Every%20Minute,-500%20hours%20of&text=That’s%2030%2C000%20hours%20of%20video,uploaded%20every%20day%20to%20YouTube

[5] https://www.usg.edu/galileo/skills/unit07/internet07_02.phtml

[6] https://en.wikipedia.org/wiki/History_of_the_Internet

[7] https://www.youtube.com/watch?v=9hIQjrMHTv4

[8] Se nunca ouviu falar de um BBS, você não viveu os anos 80! Um bom artigo: https://www.theatlantic.com/technology/archive/2016/11/the-lost-civilization-of-dial-up-bulletin-board-systems/506465/

[9] O recorde do NICT: https://www.tvtechnology.com/news/japans-nict-sets-new-data-transmission-speed-record

[10] Para o propósito deste artigo, há aqui uma super simplificação de muitos conceitos e história. Um documento mais completo online está disponível em: http://www.eletr.ufpr.br/mehl/historia_transistor.pdf

[11] A chamada cloud computing ou computação em nuvem trata não só de armazenamento como de processamento de dados online. Valor retirado de https://www.statista.com/chart/18819/worldwide-market-share-of-leading-cloud-infrastructure-service-providers/